- Data: 4 de Julho de 2010
- Empresa: Tauroleve
- Ganadaria: Oliveira Irmãos
- Cavaleiros: João Moura e António Ribeiro Teles
- Matador: Ruben Pinar
- Forcados: Amadores de Vila Franca de Xira, capitaneados por Ricardo castelo
- Assistência: Meia-casa
- Delagados da IGAC: Delegado Técnico tauromáquico Sr. Ricardo Pereira
- Banda de Música: Ateneu Artístico Vilafranquense
Eu, aficcionado e vilafranquense, me confesso e penitencio: a verdade é que desde o ano de 2007 que não assistia à Tradicional Corrida do Colete Encarnado, embora em minha defesa tenha a dizer que se não o fazia era por viver com tanto apego, dedicação e sobretudo com tão poucas horas de sono esta festa tão bonita, única e Vilafranquense, chegando à tarde de domingo já sem ânimo para outra coisa que não fosse uma rápida retirada para os lençóis. Contudo, este ano, fruto de um cartel com muito atractivo, decidi desde bem cedo, que era hora de, fosse em que “estado” fosse, voltar a assistir a esta data com tanta importância na velhinha “Palha Blanco” e devo dizer desde logo, que não me arrependi. A corrida teve coisas muito positivas e algumas francamente negativas, mas o que não lhe faltou foi, sem dúvida, aquele que deve ser o ingrediente principal da Festa Brava: a emoção! Desta forma, serviu-me para acabar o Colete Encarnado em beleza, um verdadeiro “anti-ressaca“. Falemos então do que se passou no redondel da mítica e castiça praça.
Em primeiro lugar tenho a dizer que, para mim, o principal motivo de interesse da corrida era o mano-a-mano entre António Ribeiro Telles e João Moura, uma vez que ver tourear a pé em Portugal, independentemente da qualidade dos intérpretes, se assemelha mais na maior parte dos casos a uma pantomina de pouca qualidade do que ao espectáculo real, intenso e emocionante que todos apreciamos. Posto isto, confesso que, erro de principiante, muito antes do dia da corrida já havia planeado iniciar esta crónica com um elogio à atitude de João Moura, ao ter a “verguenza torera” de se anunciar em Vila Franca, praça onde historicamente sempre despertou alguma antipatia, ainda para mais em confronto directo com António Ribeiro Telles, que está na Palha Blanco como no pátio de sua casa. Contudo, as coisas saíram de tal forma que, em relação ao cavaleiro de Monforte, apenas se pode dizer que a aficción ribeirinha tem ainda mais razões para o antagonizar e, em relação ao Maestro da Torrinha, mais razões para o idolatrar. De “mano-a-mano” o encontro entre os dois não teve o clima de competição e “picardia” que sempre se esperam destes momentos, mas tão só a colocação em evidência de duas atitudes e morais completamente opostas. Moura apresentou-se em Vila Franca desconcentrado, desmoralizado e sem qualquer vontade de dar a volta por cima: as sua duas lides, se é que podem ter esse nome, uma vez que a lide dos toiros propriamente dita foi realizada quase integralmente pelos seus peões de brega, foram um acumular de erros e de ferros despachados, sem qualquer tipo de preocupação com a execução dos mesmos, ou com a eleição de terrenos e distâncias, tendo sido muito justamente abroncado.
Já com António Ribeiro Telles, a coisa mudou de figura: recebeu o seu primeiro toiro com um emocionante comprido à porta gaiola e repetiu em valentia e exposição nos dois seguintes, embora os mais puristas possam criticar um alargamento excessivo nos quarteios. Os curtos decorreram na mesma tónica e o repeitável soube premiar com carinho uma lide que decorreu com a preocupação de fazer as coisas bem feitas, entendendo bem um toiro que acusou alguma querença em tábuas, embora nem sempre nos momentos centrais das sortes as coisas tenham decorrido com a perfeição desejável. No seu segundo, deu uma lição de raça e pundonor, ante um exemplar muito encastado, que se adiantou sempre uma enormidade em relação aos cavalos e que por várias vezes colocou o cavaleiro em sérios apuros. António, exigiu aos seus peões de brega que não o ajudassem e, à força de um grande coração e muita persistência logrou sair por cima do toiro, numa actuação em que, novamente, fruto das condições e manifesta perigosidade do astado, valeu mais (e muito!) pela disposição do maestro do que propriamente pela limpa execução das sortes. António demonstrou na “sua” Palha Blanco a razão de ser considerado por muitos como a maior figura portuguesa do toureio a cavalo na actualidade, saindo com as ganas de triunfo de um recém chegado aspirante ao trono.
Os outros trinfadores indiscutíveis do festejo foram os Amadores de Vila Franca de Xira, que provaram mais uma vez a cepa de que são feitos, frente a quatro exemplares sérios e que não estiveram em praça para dar facilidades. Um grande grupo de forcados define-se quando frente a toiros difíceis e cheios de poder, não só não se desmoraliza, como cresce em garra, determinação e valentia. Para pegar o primeiro da tarde, saltou o Cabo Ricardo Castelo, que protagonizou uma primeira tentativa estóica, na forma como aguentou os derrotes do toiro, com o primeiro e os segundos ajudas em bom plano, parecendo-me que ao chegar aos terceiras as coisas não correram tão bem. Após isto, o toiro deitou-se na arena, acusando o seu cansaço e já só foi possível pegá-lo a sesgo, com o grupo resolvendo sem dificuldades. Para o segundo foi escolhido Pedro Castelo, que após tropeçar ao recuar para a sua primeira tentativa, efectuou uma pega plena de emoção, com uma excelente primeira-ajuda de Bruno Tavares, acompanhando o forcado da cara quase até às tábuas, onde, fruto da “pata” que levava e do facto de ir com a cabeça muito alta não facilitou a vida aos restantes ajudas, tendo-se destacado nesse momento João Bento Petróleo, que consegui suster o companheiro na correria do toiro paralela à teia. No terceiro da corrida viveram-se, quanto a mim, os momentos mais emocionantes da corrida no que à forcadagem disse respeito. Frente a um toiro que estava praticamente inteiro, consequência da fraca prestação de João Moura, Ricardo Patusco deu-lhe por três vezes todas as vantagens e distâncias, ainda que sabedor do “comboio” que tinha pela frente. Na primeira tentativa foi despachado sem apelo nem agravo, na segunda, o toiro parece não ter metido a cara no momento da reunião e na terceira, a partir do momento em que o forcado se conseguiu fechar, o resto do grupo desempenhou o seu papel na perfeição, com entrega e valentia, não permitindo mais veleidades ao bruto. Para o último da função, saltou Márcio Francisco, forcado que nos tem vindo a habituar às mais rijas e emocionantes pegas e que mais uma vez não defraudou, com o exemplar de Oliveira Irmão a demonstrar a mesma dureza para os forcados que os seus irmãos de camada. Uma tarde importante do Grupo de Vila Franca.
No que toca ao matador Ruben Pinar, perdoem-me se não me alongo muito, mas repito que ver tourear a pé em Portugal, fruto da fraca apresentação das reses que, na maior parte dos casos, saem para as praças e também da supressão da sorte suprema é para mim como uma fraca cópia do original. O efeito ganha ainda maior dimensão, quando o toureiro que temos por diante está mais empenhado em dar muitos e rápidos passes do que propriamente em tourear. Pinar esteve variado e ligado com o capote, brindando-nos com algumas verónicas assentadas e chicuelinas de bom recorte, mas com a muleta exagerou num toureio populista e vertiginoso, com pouco tempo e “temple”, isto apesar de ter tido pela frente dois bons exemplares que se teriam prestado ao verdadeiro toureio, de pausa, delicadeza e finura, ou seja, “por bajo y despacito”, como se costuma dizer…
A tónica do encierro de Oliveiras foi de resto esta, com todos os toiros a permitirem o triunfo de quem lhes teve por diante, com poder e muita casta os de cavalo e nobres, mas com transmissão os da lide apeada. Triunfou quem saiu à praça a querê-lo verdadeiramente: António Ribeiro Telles e os Forcados Amadores de Vila Franca de Xira! E eu de lá saí contente, ligeiramente amassado por três dias de muita farra e animação, mas contente por ter assistido a uma verdadeira corrida de toiros, onde a emoção e o valor foram os máximos protagonistas!
Sem comentários:
Enviar um comentário