sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Entrevista a Rui Bento Vasques, parte I


Conforme anunciado ontem, a Tauromania publica hoje a primeira parte de uma entrevista de fundo a Rui Bento Vasques, empresário da praça do Campo Pequeno.


Tauromania (T) – Qual é o balanço que faz, quer em termos de negócio, quer em termos de resultados artísticos, do que aconteceu esta temporada no Campo Pequeno.

Rui Bento Vasques (RB) – Na perspectiva empresarial é evidente que foi uma temporada positiva, uma temporada boa. Talvez a melhor das 4 temporadas, sobretudo na perspectiva de imagem e na perspectiva daquilo que era a minha preocupação desde a temporada da reinauguração, ou seja, captar novos aficionados, público diferente daquele que antes da remodelação vinha ao Campo Pequeno. Nesse sentido, penso que demos um grande passo em frente nesta temporada. Existem, claramente, novos aficionados no Campo Pequeno, e isso acaba por repercutir para os demais sítios. O Campo Pequeno é a praça de referência e o que acontece aqui acaba por ter consequência noutras praças. Em termos de espectáculos, houve espectáculos muito bons, muitos positivos, outros em que os resultados não foram tão fortes como o desejável, mas isso faz parte da natureza do espectáculo tauromáquico, com as suas condicionantes naturais. Acho que conseguimos consolidar a imagem do Campo Pequeno, não só como a primeira praça do país mas como uma referência a nível mundial. Por aqui passaram quase todas as principais figuras do toureio, de nível mundial, que nos restituíram o carisma, o crédito e o prestígio de uma primeira praça de qualquer país.


T – Obter 83% de média de ocupação preenchida é uma coisa fantástica, média esta obtida durante uma temporada inteira. Quais são os factores mais importantes que o Rui Bento pensa terem contribuído para este sucesso?

RB – Vários. Em primeiro lugar apresentar cartéis que provocam interesse do público e uma distribuição das datas levando em linha de conta uma época, que se previa complicada em termos de público, devido à crise mundial conhecida. Assim foi, portanto, fundamental a distribuição do abono. Reduzimos um espectáculo em relação ao ano passado, acabámos por fazer uma corrida extraordinária em função dos bons resultados conseguidos. Depois criámos atractivos em cada espectáculo que motivasse o público a vir às corridas. Após a inauguração da temporada, com Pablo Hermoso de Mendoza, seguiu-se a primeira corrida mista do Correio da Manhã – Vidas com “Pedrito” e “El Cid”, que tinha sido o grande triunfador da temporada passada. A 4 de Junho, regressou a ganadaria Murteira Grave, com um curro imponente. Esta corrida tinha, outro grande atractivo: pela primeira vez, desde a reinauguração, um só grupo a pegar os 6 toiros… tudo isso movimentou o ambiente que envolveu essa corrida; a novilhada, com a aposta no futuro, com uma perspectiva não de negocio, mas da obrigação de qualquer praça, principalmente do Campo Pequeno, em apostar nos novos valores. Depois tivemos o mano-a-mano de duas máximas figuras do toureio: António Telles, na perspectiva do toureio a cavalo de genuína expressão portuguesa, e Morante de la Puebla, a viver um grande momento da sua carreira. Seguiu-se a corrida dos 25 anos de alternativa do Rui Salvador. Na corrida de 16 de Julho, que anunciáramos como excepcional, conseguimos conciliar um cartel merecedor de um adjectivo tão forte. O êxito de Pablo Hermoso na primeira corrida da temporada, não deixou dúvidas a ninguém e a perspectiva da empresa é repetir sempre os grandes triunfadores. Montámos então um cartel que chegou a ser impensável, ao juntarmos “Pedrito” e Vítor Mendes, que penso só terem toureado juntos 3 vezes e que veio ao encontro daquilo que tínhamos prometido, ao deixar esta data em aberto quando anunciámos o abono, em Março. Depois, numa perspectiva de um saudável saudosismo, tivemos na corrida de 23 de Julho as famílias Bastinhas, Caetano e Pinto, com o Duarte Pinto a tomar a alternativa e a presença das 3 figuras do toureio a cavalo já retiradas, Luis Miguel da Veiga, Frederico Cunha e o José João Zoio. Foi um atractivo adicional e uma das melhores entradas da temporada, depois da lotação esgotada.

Em Agosto realizámos a já tradicional “Corrida do Emigrante”, pelo facto de termos aqui muitos emigrantes e muitos turistas. Esta corrida responde também à pergunta: Porquê tanta adesão de público? Apostámos muito no turismo, tivemos promotores colocados em pontos turísticos estratégicos a distribuírem publicidade das nossas corridas. Também em Julho conseguimos trazer à corrida mista cerca de 500 turistas que estavam de passagem em dois cruzeiros em Lisboa.

Igualmente no concurso de pegas, em Agosto, que por si só arrasta muita gente, sobretudo com grupos mais da “província”, grupos que não estão entre os primeiros mas que têm muitos seguidores, e acho que escolhemos 3 grupos que trouxeram muita gente ao Campo Pequeno nessa corrida. Surpreendeu muita gente o facto de um cartel mais ligeiro ter acabado por atrair muita gente, além dos turistas.

Outra corrida importante foi a do Sporting que já é tradicional e tem um prestígio consolidado e que movimenta sempre muita gente. Neste caso teve como aliciante adicional o regresso dos toiros Infante da Câmara a Lisboa. No dia 3 de Setembro, voltámos a apostar forte no toureio a pé, com um dos grandes triunfadores da temporada, o Miguel Angel Perera, juntamente com o Pedrito após os seus dois anteriores triunfos. Foi uma aposta da empresa, a quem juntámos o João Telles Jr que ainda não tinha voltado ao Campo Pequeno desde a sua alternativa, exactamente um ano antes. Com a transmissão pela RTP e o apoio da revista “Nova Gente”, tivemos mais uma das grandes entradas da temporada.

O remate do abono com a corrida “Gala à antiga Portuguesa”. As condições especiais do Campo Pequeno fazem com que a corrida de gala tenha, nesta praça, uma projecção especial, um “glamour” inalcançável em qualquer outra praça. Foi um êxito de “lotação esgotada”, com um público também diferente.

Tivemos ao longo da temporada 6 ou 7 espectáculos que mexeram não só com os aficionados mas igualmente com um público mais abrangente. Ao Campo Pequeno de hoje vem um público muito mais abrangente, desde o aficionado mais antigo que vem com o neto ou os sobrinhos, àquele que vem ver um espectáculo diferente, num cenário de eleição como aquele que é proporcionado pela nova estrutura da praça de toiros.

Rematámos a temporada com a corrida extraordinária, fora de abono, com a apresentação da ganadaria “Conde de la Corte” que é considerada uma das ganadarias “mais” em Espanha, juntando três cavaleiros que tiveram vários êxitos ao longo da temporada do Campo Pequeno.

Sintetizado, diria que os bons resultados se devem à criação de atractivos diferentes em cada corrida para provocar interesse no mais variado e amplo tipo de público. E tudo isto junto ao facto da grande maioria das corridas estarem ligadas a meios de comunicação que mexem mais com a sociedade portuguesa, à parte do tradicional e do ambiente especificamente taurino.


T – A confrontar estes êxitos de bilheteira foram apresentados os números de Abonados e os mesmos são inferiores a 5% da lotação, porque acha que isto acontece?

RB - O abonado tem a possibilidade de adquirir o abono durante a temporada com 15% de desconto. Não é tanto quanto seria desejado mas além disso também é difícil numa temporada que coincide com os dois meses de Verão em que toda a gente vai para fora que as pessoas comprem o abono da temporada no qual vão pelo menos coincidir 7/8 corridas. Penso que este facto mexe muito com a opção de compra do abono.
Nós temos tentado melhorar as condições do Abonado, temos tentado reduzir os preços, fazendo também a promoção de Verão na qual os preços descem mais 15%. De qualquer das formas o número de Abonados tem subido. Penso que a confiança que nós temos demonstrado nos carteis trazidos podem ajudar a que as pessoas cada vez tenham uma maior convicção que a empresa funciona com rigor e seriedade. Não só traz as figuras que apresenta para as primeiras 6/7 corridas da temporada (as que são conhecidas na altura da compra do abono) como aposta na continuidade até ao final da Temporada, como são exemplo a repetição do Pablo Hermoso, a vinda do Perera e o regresso do Vítor Mendes, que ninguém lhe passava pela cabeça que voltasse a tourear em Lisboa. Penso que são atractivos para o abonado, e que os pode convencer no futuro a adquirir o Abono.
Tratámos também de criar o Cativo Júnior, que deveria ter uma repercussão maior, nesta conjuntura de aposta na juventude deste ano e penso que irá aumentar consideravelmente na próxima temporada. Este cativo proporciona a compra dos bilhetes por 7 ou 8 euros, com este naipe de cartéis e com as figuras que passam por aqui, penso que vai aumentar consideravelmente o número deste tipo de abonados. Haverá com certeza coisas a melhorar e estamos a trabalhar nesse sentido, na perspectiva de dar um melhor trato ao abonado, seja no recebimento, seja na criação de uma sala VIP, que é um dos sonhos da administração, seja naquilo que este ano já colocámos de uma maior participação da parte do abonado com a nomeação para os premiados da temporada do Campo Pequeno.
Penso que para a próxima temporada mais alguma coisa deverá ser proporcionada para que seja atractivo ao aficionado ser abonado do Campo Pequeno.


T – Este ano esta empresa apostou pela primeira vez num só Grupo de Forcados para pegar 6 toiros, corrida que acabou por se um sucesso a todos os níveis. É receita a repetir? É que não foi fácil que acontecesse pela primeira vez…

RB – Devo dizer que em todas as intervenções públicas que faço em relação à figura do forcado afirmo sempre o máximo respeito, admiração e consideração, por aquilo que representa, por aquilo que executa e pela importância que eu dou em relação à sua atitude. Mas devo dizer que em termos de gestão e em relação ao contacto, os grupos de forcados são a maior decepção que eu tenho. Falo em relação às imposições, às cunhas, ao comportamento de alguns grupos, ou de algumas pessoas ligadas a alguns grupos, na perspectiva de romper um bocadinho com o que está estabelecido.
No caso concreto de ser a primeira vez que um grupo pegou sozinho 6 toiros em Lisboa desde a reinauguração a forma como eu penso e actuo é que tem que haver sempre uma perspectiva empresarial. Isso penso que tem ficado demonstrado, e a administração transmite-me estar contente com o que tenho vindo a desenvolver porque, na realidade, a perspectiva empresarial tem que estar sempre presente. Nesta mesma perspectiva empresarial o facto de só haver uma corrida com um só grupo penso que foi uma aposta ganha. E foi uma aposta que alguns grupos ou cabos tentaram que não fosse assim mas que eu consegui e que mantenho num sentido claro de que não posso banalizar aquilo que deve ser um acontecimento da temporada de Lisboa. Eventualmente, podia passar de uma a duas corridas, mas na perspectiva de que cada corrida deva ser um acontecimento, penso que não seria positivo banalizar.
A corrida em referência foi claramente uma aposta ganha, também fomos felizes na escolha da corrida e do grupo. A mistura dos toiros da ganadaria Grave com o Grupo de Montemor mediante os resultados, justificaram plenamente essa aposta.


T – Como acontece em todas as principais praças algumas figuras ficaram de fora da temporada deste ano. Mais sonantes são os nomes dos Mouras e também do Diego Ventura. É este ponto um ponto a resolver para o ano?

RB – Relativamente ao Diego Ventura é público que a sua não vinda ao Campo Pequeno se deveu a uma questão de valores, uma questão económica. Ele tornou esses valores públicos, eu penso que isso não é bom. Não é bom que se fale de valores da forma que ele fez, mas de qualquer das formas, a maneira como ele o fez só ajudou os aficionados do Campo Pequeno a entender o porquê da empresa não o ter contratado. O Campo Pequeno não esta preparado para os valores que ele solicitou e esperemos que ele reconsidere esses valores no futuro.
Em relação à família Moura ficou claro que foi o próprio João Moura que se excluiu a si e à sua família e a empresa do Campo Pequeno respeitou. No futuro veremos, mas uma coisa está clara: cada um tem que tirar as suas próprias ilações. Ante a atitude e ante a posição que tomaram, o Campo Pequeno desenrolou uma temporada que, indiscutivelmente, foi a melhor de todas e a que mais publico teve. A partir de ai penso que cada um deve tirar as suas conclusões.


T – Como empresário não acha que isso é uma das coisas curiosas da Festa em Portugal e em particular no Campo Pequeno? Qual é o beneficio, depois do que nos explicou sobre a escolha dos carteis neste ano, de trazer figuras “caras” ao Campo Pequeno?

RB – Penso que em Lisboa paga-se mais que em qualquer outra praça portuguesa, salvo algum caso excepcional, tenho a certeza que nenhuma figura do toureio a cavalo cobra mais dinheiro fora de Lisboa que em Lisboa. Mas há que manter as coisas em números razoáveis porque a capacidade de Lisboa é limitada.

Temos por exemplo o caso do José Tomas, com quem temos contactado, mas que rebentaria qualquer escala a todos os níveis se o trouxéssemos cá. De qualquer maneira, temos insistido, por uma questão de prestigio, de categoria e de dar ao nosso publico a possibilidade de verem uma figura que esgota todos os sítios onde vai, mesmo não sendo certo que esgotaria o Campo Pequeno, pelo menos com a mesma rapidez com que esgota por onde passa… Mas uma coisa está clara, tentámos e tentaremos que o José Tomas venha.
Para ser mais directo a essa pergunta, o Campo Pequeno neste momento tem uma força natural, pelo trabalho que fez, por ter as condições excepcionais que tem para se ver um espectáculo de toiros, e porque, muito sinceramente e com modéstia à parte, penso que temos trazido e apresentado corridas e espectáculos sérios e que as pessoas confiam no trabalho que se está a desenvolver aqui. Depois a nível de promoção penso não haver nenhuma praça no país que cuide mais da imagem dos próprios toureiros do que o Campo Pequeno.

Quanto às figuras mais caras, é uma questão de prestígio e imagem de uma praça que, além de ser de primeira categoria, e de ser a mais importante do país é, também uma referência a nível internacional.

Penso que o importante e o fundamental é trazer publico à praça e a partir de agora penso que deve existir um trabalho de fundo para que as actuações repercutam cada vez mais e melhor.

Confesso-vos que me preocupa muito o espírito com que alguns, sobretudo jovens, têm vindo tourear ao Campo Pequeno. Fazem-no de uma forma passiva sem virem ao Campo Pequeno dar a cara e tentar justificar que vir ao Campo Pequeno pode, de facto, marcar a sua própria trajectória. Acho que se lhes deve exigir mais e que eles se devem responsabilizar por virem ao Campo Pequeno mentalizados a dar esse grande passo que poderia relançar ou criar uma melhor imagem à sua própria trajectória artística.


T – Junto à “aficion” surge alguma crítica a um certo populismo do público do Campo Pequeno, que de certa maneira já explicou com a presença de um novo público pouco habitual que se foi conquistando, e que é fundamental para tornar isto rentável, na perspectiva de negócio, e também em termos do futuro. O Rui Bento foi toureiro e toureou nas principais praças do Mundo onde os toureiros toureiam com “o nó na garganta”, não só pelo toiro mas sobretudo pelo público, por sentir que aquilo que vão estar ali a fazer pode marcar a diferença, não acha que a critica ao populismo em Lisboa é justa e que é uma coisa a cuidar?

RB – Quanto a isso há que destrinçar entre “populismo” e o que é ser popular. Se me perguntar se o espectáculo não deve estar limitado exclusivamente a um grupo restrito de conhecedores da arte, então considero que este deve, correctamente, ser apelidado de popular, um vez que tem de estar aberto a todos os públicos e a nenhum em especial. Veja-se o ridículo que seria, se no Teatro Nacional de São Carlos só fosse permitida a entrada a conhecedores de ópera… Nem o público nem o Campo Pequeno têm qualquer responsabilidade em que aquele não saiba mais do que aquilo que efectivamente sabe … mas uma cosia está perfeitamente clara: O Campo Pequeno congratula-se de, este ano, em particular, ter conseguido atrair um público que, até então, não tinha qualquer interesse pelo fenómeno tauromáquico. Há que começar por algum lado… e se formos nós a dar o pontapé de saída, tanto melhor.

Tem vindo a ser dada a hipótese a todos os jovens que demonstram condições para poder funcionar, mas quase todos têm passado pelo Campo Pequeno de uma forma muito superficial. Eu acho que não há um sentido profissional e uma ambição para virem aqui dar a cara e a por isto tudo “boca a baixo”. Vir ao Campo Pequeno fazer mais alguma coisa do que tem vindo a fazer até então, com esse “nó na garganta”, como diz, e na perspectiva de que um sucesso no Campo Pequeno pode repercutir claramente na sua trajectória. Aconteceu com o caso do Tiago Carreiras que veio aqui no 6 de Agosto, num cartel em que tive alguma dificuldade em colocá-lo por causa de alguns companheiros e também da própria televisão que não o conhecia. Eu insisti, convenci-os que era um valor que podia surpreender e foi assim que aconteceu. Desde essa data ate ao final da temporada o Tiago Carreiras teve mais 13 ou 14 contratações que na altura não estavam sequer apalavradas. É claramente nesse sentido que o Campo Pequeno deve ser visto: não só como a primeira praça do país e referência, como também no sentido em que um triunfo vai ter uma repercussão na temporada, que foi o que aconteceu com ele.


Brevemente publicaremos a segunda parte desta entrevista

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