quinta-feira, 18 de março de 2010

Toiros e Ganaderos


Ganaderos e toureiros costumam comungar de uma característica comum, o silêncio da sua actividade fora do local de lide. Com efeito, criar e lidar toiros bravos é uma actividade solitária, discreta, realizada na intimidade por seres muitas vezes peculiares que tudo oferecem em prol do desenvolvimento cabal de uma arte tantas vezes ingrata.

A actividade de uns e de outros pode ser de facto discreta mas resultam de ambas verdadeiras pérolas, registadas pelos livros e transmitidas entre aficionados, que são frases curtas proferidas por homens-mito, conhecedores dos meandros mais ínfimos da vida de campo, amantes das suas herdades, verdadeiros tratadistas da tauromaquia.

Tratando-se de ganaderos e sendo, por norma, como já referido homens de enormes silêncios, que contrapunham com decisões firmes, quase ditatoriais, baseavam-se no absoluto conhecimento de todos quantos compunham as suas explorações (maiorais, campinos e demais trabalhadores), sendo que as batidas dos seus corações estavam em consonância com as das suas reses.

A grande maioria destes homens já não se encontra entre nós mas, para quem teve o privilégio de desfrutar deste secular saber, consubstanciado em ferras, tentas, enjaulamentos e demais momentos ganaderos, ficou com a cabal garantia de um respeito de todos perante uma realidade inequívoca: o toiro bravo. De facto, por ganaderos, toreros, apoderados, empresas e veedores, nunca tal se colocou em causa.

Actualmente, estas intimidades e silêncios que se subsumiam na figura de um ganadero, por norma de profícua idade, tende a desaparecer. As razões são várias, mas em particular o brutal avanço do tempo que a ninguém poupa e a todos leva, afigura-se como a principal.

Outra condicionante se tem também levantado, criar estes seres é cada vez mais uma actividade competitiva e encarniçada, não sendo sempre pautada com os normativos deontológicos e pactos de honra ainda tão costumeiros nesta actividade, razão pela qual, é cada vez mais raro no negócio tauromáquico, onde já tudo é imposto (e não por quem devia, o público) , encontrarmos curros de toiros que surgem em praça, muito “menos toiros” que o outrora seriam.

Uma daquelas frases lapidares, que tantas vezes são escutadas nas corridas, é que “antigamente os ganaderos tinham patilhas, hoje em dia têm conselhos de administração”. Quiçá esta seja a solução, uma alternativa a uma forma de vida romântica e desinteressada, mas o evoluir dos tempos deve compatibilizar esta actividade com a procura de vantagens económicas, sob pena de extinção de tal mister.

Questão lapidar a retirar daqui é que ao criar toiros bravos, a ganaderia não pode nunca descurar a integridade dos seus exemplares, devendo sempre tentar manter uma essência de bravura e trapio nos mesmos, aos quais sempre se pediu e continuará a pedir, seja em que época for, uma luta inquebrantável pela sua vida aquando seja hora de enfrentar o artista.

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