quinta-feira, 4 de março de 2010

O futuro...


Nunca vi nenhuma, mas já ouvi falar. Há fados que falam do tempo em que havia esperas e corridas, cavaleiros e forcados… e toiros. Os velhos falam desses tempos com saudade e dão-me ganas de os ter vivido, antes da lei que proibiu as festas taurinas em todo o país.

Aqui na terra muita coisa mudou desde então, dizem os velhos. Nas "aforas" havia duas ganadarias, hectares e hectares de pasto para os sortudos dos toiros viverem à larga. Acabaram com as toiradas, os ganadeiros faliram, venderam as herdades. Uma delas é hoje um campo de golfe num empreendimento fechado para os ricos da cidade virem gozar “o campo”. A outra foi urbanizada e fizeram dela um bairro de prédios de betão. No centro da rotunda, em memória do que outrora ali se fazia, fizeram uma escultura abstracta, duas barras de ferro ferrugentas e uma lápide “Monumento ao Campino”. Mas qual campino?! No meio dos carros e do cimento?

A velhinha Praça, no centro da terra, foi demolida entre urros de alegria dos amigos dos animais para dar lugar a um "drive-through" do Macdonalds. Dentro do Mac, há fotos de forcados e cavaleiros, em homenagem ao passado. O meu pai chama àquilo uma coisa estranha, “hipocri-qualquer-coisa” e diz que prefere dar-me mesada para ir comer a um sítio mais caro do que saber que vou àquele lugar. Calha bem, também não gosto da comida de plástico…

Quando as corridas acabaram, toda a gente ligada a elas ficou sem trabalho… E era muita… Na minha terra e nas outras em redor. Muitos foram-se embora para Lisboa tentar a vida e a terra está às moscas. Moços que viviam do campo agora andam esquisitos, com ar pálido e magros. A minha mãe diz que não me chegue, que andam na droga e a roubar. Os velhos dizem que no Verão vinha gente de fora para ver os toiros… Agora ninguém cá vem, não se faz nada, a não ser jogar na consola ou torrar ao sol. O meu tio está preso – organizava novilhadas clandestinas, até ao dia em que apareceu a polícia e levou toda a gente. Disse ele: “Mas eu estou a fazer mal a alguém? Vocês, polícias, que lidam com criminosos todos os dias, olhem-me nos olhos e digam-me se sou um deles!”. Não serviu de nada. Lei é lei e polícia também tem bocas para alimentar.

Os campos estão desertos. Já nem cavalos há, pouca gente os cria. Dizem que o toiro está extinto, mas em Lisboa há um, no jardim zoológico. Vive num campo de areia vedado, de dez por dez, e uma vez por dia o tratador deixa-lhe lá ração e água. Pareceu-me um animal triste, sem energia. Custa a acreditar que aquele bicho cabisbaixo fosse um rei. Ao meu pai deu-lhe desgosto ver aquilo, nem foi capaz de ficar ali, ficou logo com o dia estragado.

Dizem que antes ia-se aos touros e voltava-se melhor do que se era. Que se aprendia solidariedade e amizade ao próximo e ao animal. Que era uma lição de vida: se quem arriscava a vida era capaz de ser bom, não havia desculpa para ninguém, no dia-a-dia, para não fazer o bem e ser amigo do seu amigo. Hoje é cada um por si. A televisão diz que temos de ter um carro bom, comprar a roupa xpto, ir de férias para a Conchichina, não importa quem tenhamos de pisar. Os velhos morrem e os novos vivem todos cheios de si, cheios demais para aprenderem as tradições e continuá-las.

Talvez um dia, quando crescer, vá para Lisboa. Afinal, na cidade há trabalho e, se formos a ver bem, a vida que levo aqui na terra, a comida que como, os jogos de consola que jogo, os prédios que vejo, enfim tudo, não é muito diferente ao fim ao cabo. E quem diz Lisboa, diz o resto do mundo. Não vou notar diferença alguma.


* João Teixeira Freire é um fã da Frente de Acção Pró Taurina do Facebook

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