sexta-feira, 15 de julho de 2011

Entrevista ao anterior secretário de estado da cultura Dr. Elísio Summavielle

Na pasta da Cultura, nós aficionados, tivemos dois governantes (a Ministra e o Secretário de Estado) que mostraram uma grande coragem e a desejada sensibilidade política para entender a Tauromaquia Portuguesa, afirmando-a como um património cultural único e insubstituível e como parte integrante da cultura portuguesa e das suas gentes. A presença de Gabriela Canavilhas e, principalmente, de Elísio Summavielle nas nossas praças de toiros foram a face visível desse mesmo apoio. Na verdade, o ex-Secretário de Estado da Cultura passou a ser uma presença regular nas nossas corridas, mostrando uma enorme aficcion e, juntamente, com Francisco Moita Flores foram as vozes políticas que mais se bateram pela Festa de Toiros nos últimos anos em Portugal. Uma entrevista justa e que se impõe:

Tauromania (T) – Um Secretário de Estado aficionado, presente nas praças de toiros, que deu a cara em “Defesa da Festa Brava”. Que balanço faz desta ligação que teve com o mundo taurino e com as gentes dos toiros?

Elisio Summavielle (ES) - A minha “aficion” pessoal é de sempre. Sou neto, por via materna, de um ilustre Republicano Moitense – Luís da Costa Santos, que foi o impulsionador da construção da Praça de Touros Daniel do Nascimento, na Moita do Ribatejo, e desde muito pequeno que me habituei à Festa. Mas uma coisa é a minha condição de aficionado, e outra, bem diversa, foi a de tutelar a Secretaria de Estado da Cultura. Aí, considerando que o Ministério da Cultura, através da Inspecção Geral de Actividades Culturais (IGAC), tutela todos os espectáculos, seria um puro farisaísmo hipócrita ignorar aquilo que, a seguir ao futebol, leva mais gente aos espectáculos – a Festa Brava. E não voltámos as costas, nem metemos a cabeça na areia perante esse facto. Como historiador, como homem do Património Cultural, com 30 anos de Serviço Público no sector, considero a Festa parte integrante do nosso Património, da nossa identidade cultural. Repare na posição da Dra. Gabriela Canavilhas, que nunca tinha assistido a uma corrida, e não sendo aficionada, teve a sensibilidade suficiente para sentir o pulsar da Festa e da sua gente. Fizemos o nosso dever, defendemos a Cultura. Criámos a Secção de Tauromaquia do Conselho Nacional de Cultura. E demos luz a um novo Regulamento Tauromáquico que, só não foi aprovado porque entretanto caiu o Governo, em Março, e não era mais possível a aprovação de Decretos-Lei. Está pronto para futura aprovação. Se quer um balanço deste ano e meio de legislatura, direi que da gente da Festa, dos protagonistas, e da aficion, só tenho a dizer bem, e não esquecerei nunca o carinho e a amizade com que sempre me trataram em todas as circunstâncias. Sinto que houve uma lufada de ar fresco no meio, e sobretudo por mérito do mundo taurino. Do meu lado, apenas fiz o que devia e podia. É uma causa que continuarei a abraçar, com patriotismo, e pela Cultura.

T – Como se refere no inicio desta entrevista, na pasta da Cultura tivemos dois governantes que mostraram uma grande coragem e a desejada sensibilidade política para entender a Tauromaquia Portuguesa, afirmando-a como um património cultural único e insubstituível e como parte integrante da cultura portuguesa e das suas gentes. Concorda com esta afirmação?

ES - Concordo inteiramente. A cultura mediterrânica, da Europa do sul, herdeira da civilização greco-latina, tem uma génese comum, que se difundiu sob formas diversas nos diversos países. O universo do Sagrado, e o do Profano, plasmam-se em “Eros e Thanatos” (Vida e Morte), na Luz e nas Trevas, Sol e Sombra, Branco e Preto, todos são parte de uma civilização que trouxe, regionalmente, manifestações culturais de diversa natureza, mas que, na Península Ibérica se mantiveram nos séculos, mercê da sobrevivência de uma espécie animal – o Touro, tão associado , desde a Antiguidade, a esses cultos pagãos greco-latinos. Resumidamente, será essa a origem de uma manifestação cultural que se mantém viva, e é parte integrante da nossa Cultura, da nossa religiosidade até... Uma arte em que o Homem ilude a Morte pela arte do movimento. Negar esta evidência seria pura ignorância. Porque nada disto tem que ver com as questões de gosto pessoal, e da liberdade de cada cidadão.

T - Qual a sua opinião sobre o actual Decreto-Lei e Decreto-Regulamentar (os quais são de 1992), que regulam os espectáculos tauromáquicos?

ES - Como referi atrás, está (ficou) pronto para aprovação em Conselho de Ministros, um novo Decreto regulamentar, que substituirá o anterior (1992), já anacrónico em muitos aspectos, pouco consentâneo com a realidade actual, e muito permissivo face ao rigor e exigência artística que por vezes faltam na Festa. Este novo Decreto resulta de um amplo consenso, entre todos os intervenientes na Festa, no âmbito do Conselho Nacional de Cultura, o qual, obviamente, não foi fácil conseguir, e por isso mesmo há que aproveitar agora o trabalho feito. Modernizar a Festa, dá-lhe mais ritmo e rigor artístico, protegerá mais os artistas (por exemplo os forcados, na nova quebra dos ferros...), actualiza as condições de saúde, higiene e salubridade das praças. Enfim, esperemos pela sua aprovação futura, que, estou em crer (sou optimista por natureza!), acontecerá.

T - Na verdade, há muito que está em estudo um novo Projecto de Regulamento tauromáquico e que no último ano foi alvo de uma nova revisão, porém ainda não passa de um projecto. No seu entender qual a razão de este ainda não ter passado a Lei?

ES - Tal como referi atrás, o novo Decreto-Lei está concluído. Resta a sua aprovação pelo Governo.

T - A criação de uma secção especializada de Tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura (órgão colegial de natureza consultiva e de apoio ao Ministério da Cultura) revelou-se um momento histórico e há muito esperado pelos aficionados e agentes da Festa de Toiros. Como foi o diálogo entre todos os agentes ligados ao sector taurino?

ES - Foi uma decisão “histórica”, sim, mas desejo muito a sua continuidade. É riquíssima a experiência adquirida, porque se juntaram todos os interesses envolvidos na Festa, em são e profícuo trabalho. Nem sempre convergem as opiniões, mas a causa comum arbitrou sempre da forma mais justa. Tenho a certeza absoluta de que ninguém, dos que lá estiveram, negará o interesse em manter esta Secção do Conselho Nacional de Cultura.

T - A Tauromaquia tem sido atacada por grupos organizados anti-taurinos que recorrem frequentemente ao chamado “terrorismo de intimidação”. Acha que esta é a forma mais ordeira de fazer vingar a democracia?

ES - Ordeira será, embora ruidosa, aliás, mais ruidosa do que é, na realidade, o número dos fazedores de ruído. Cumpre sim relevar aqui a tolerância, e o sentido cívico dos aficionados, cuja atitude tolerante contradiz, na prática, as acusações insultuosas de que são alvo tantas vezes... Já nos habituámos a esse folclore.

T – Sabemos também que os anti-taurinos querem, entre outros, acabar com os espectáculos tauromáquicos e é recorrente afirmarem que desta forma Portugal viverá uma evolução civilizacional. O que pensa deste tipo de pensamento?

ES - Oponho-me totalmente a essa lógica maniqueísta! E quem me conhece, sabe que não sou, de todo, um conservador. Aliás, todas a convenções internacionais, e documentos de referência na Cultura, como a “Convenção de Faro/2005” (subscrita pelos Ministros da Cultura da EU), defendem a Diversidade Cultural como riqueza, por oposição aos efeitos negativos da globalização. A Cultura, na sua diversidade, e nas suas especificidades, constitui uma mais valia para o futuro sustentável da Humanidade, é um factor estratégico de riqueza. O argumento da dita “evolução civilizacional”, é uma falácia demagógica, obscura. Aliás, nunca é demais sublinhar, que é no meio taurino que vejo os animais serem tratados e amados como em nenhum outro lugar.

T - No decurso das suas funções como Secretário de Estado da Cultura percorreu por certo vários distritos de Portugal. Na grande maioria deles a Festa de toiros está enraizada. Como sentiu a população portuguesa em relação à tauromaquia?

ES - É curioso, porque há bem pouco tempo fiz essas contas: Desde 1996, em que ocupei funções de dirigente em áreas Patrimoniais (na Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, no IPPAR, IGESPAR), e, depois, um ano e meio enquanto SEC, percorri 273 concelhos da nossa terra... Posso dizer que conheço bem o País. Há uma sondagem recente, da empresa Eurosondagem, que é claríssima no que toca à relação dos portugueses com a Festa Brava. Podemos concluir que 70% dos Portugueses entendem, gostam, toleram, a Festa, independentemente de irem, ou não, às corridas de toiros (cerca de 700.000 espectadores por ano). E só 10% são abolicionistas. Os números falam por si.

T – É aficionado e nunca o escondeu. Esteve do “lado dos políticos”. Porque razão é que a classe política - mesmo sabendo-se que muitos gostam do espectáculo taurino - tem tanto receio, ou falta de coragem, em dar a cara pela tauromaquia?

ES - Peço perdão, mas não concordo com a vossa premissa – estar “do lado dos políticos”. Todos somos políticos! Todos somos livres e temos opinião. Pessoalmente, estou na política desde os 15 anos, em 1972, quando fui corrido do Liceu, e não me aceitaram, depois, a matrícula em nenhum Liceu de Lisboa .... Mas sempre pensei pela minha cabeça, com toda a Liberdade. Fui educado assim. E sempre coloquei a minha carreira profissional, com 30 anos de Serviço Público exclusivo, acima de qualquer interesse partidário. Quem me conhece sabe-o bem. Considero até vergonhoso que muitos políticos, conhecidos até como sendo “aficionados”, se escondam em Espanha para verem corridas às “escondidas”. O nosso saudoso escritor Álvaro Guerra, resistente anti-fascista, e grande aficionado morreria de vergonha se soubesse...Júlio Pomar, Siza Vieira... Nunca lidei bem com a hipocrisia, porque tenho convicções firmes, e, em matéria de Património Cultural, tenho 30 anos de conhecimento acumulado. Tenho a certeza de que daqui a uns anos este “politicamente correcto” anti-taurino vai esvair-se nas nuvens do tempo. As identidades e a cultura vão emergir face à globalização.

T – Como actor privilegiado que foi do lado do sector político e agora que deixou as funções governamentais, que conselhos daria aos agentes da Festa na defesa, dinamização e dignificação do espectáculo taurino em Portugal?

ES - Pesem embora as naturais divergências internas, e os pequenos conflitos no mundo taurino, é necessária uma grande unidade em torno dos valores da Festa. O manifesto de Moita Flores é um excelente exemplo a seguir. Depois, para além da área governativa da Cultura, é necessário que o Turismo, a Economia, e também o Ambiente e a Agricultura, se envolvam no desenvolvimento deste processo. Pela positiva e sem complexos. Portugal tem um enorme tesouro, um recurso de uma riqueza inesgotável, porventura o mais importante para o seu futuro: O Património Cultural, em todas as suas vertentes.

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