Tauromania (T) – Um Secretário de Estado aficionado, presente nas praças de toiros, que deu a cara em “Defesa da Festa Brava”. Que balanço faz desta ligação que teve com o mundo taurino e com as gentes dos toiros?
Elisio Summavielle (ES) - A minha “aficion” pessoal é de sempre. Sou neto, por via materna, de um ilustre Republicano Moitense – Luís da Costa Santos, que foi o impulsionador da construção da Praça de Touros Daniel do Nascimento, na Moita do Ribatejo, e desde muito pequeno que me habituei à Festa. Mas uma coisa é a minha condição de aficionado, e outra, bem diversa, foi a de tutelar a Secretaria de Estado da Cultura. Aí, considerando que o Ministério da Cultura, através da Inspecção Geral de Actividades Culturais (IGAC), tutela todos os espectáculos, seria um puro farisaísmo hipócrita ignorar aquilo que, a seguir ao futebol, leva mais gente aos espectáculos – a Festa Brava. E não voltámos as costas, nem metemos a cabeça na areia perante esse facto. Como historiador, como homem do Património Cultural, com 30 anos de Serviço Público no sector, considero a Festa parte integrante do nosso Património, da nossa identidade cultural. Repare na posição da Dra. Gabriela Canavilhas, que nunca tinha assistido a uma corrida, e não sendo aficionada, teve a sensibilidade suficiente para sentir o pulsar da Festa e da sua gente. Fizemos o nosso dever, defendemos a Cultura. Criámos a Secção de Tauromaquia do Conselho Nacional de Cultura. E demos luz a um novo Regulamento Tauromáquico que, só não foi aprovado porque entretanto caiu o Governo, em Março, e não era mais possível a aprovação de Decretos-Lei. Está pronto para futura aprovação. Se quer um balanço deste ano e meio de legislatura, direi que da gente da Festa, dos protagonistas, e da aficion, só tenho a dizer bem, e não esquecerei nunca o carinho e a amizade com que sempre me trataram em todas as circunstâncias. Sinto que houve uma lufada de ar fresco no meio, e sobretudo por mérito do mundo taurino. Do meu lado, apenas fiz o que devia e podia. É uma causa que continuarei a abraçar, com patriotismo, e pela Cultura.
T – Como se refere no inicio desta entrevista, na pasta da Cultura tivemos dois governantes que mostraram uma grande coragem e a desejada sensibilidade política para entender a Tauromaquia Portuguesa, afirmando-a como um património cultural único e insubstituível e como parte integrante da cultura portuguesa e das suas gentes. Concorda com esta afirmação?
ES - Concordo inteiramente. A cultura mediterrânica, da Europa do sul, herdeira da civilização greco-latina, tem uma génese comum, que se difundiu sob formas diversas nos diversos países. O universo do Sagrado, e o do Profano, plasmam-se em “Eros e Thanatos” (Vida e Morte), na Luz e nas Trevas, Sol e Sombra, Branco e Preto, todos são parte de uma civilização que trouxe, regionalmente, manifestações culturais de diversa natureza, mas que, na Península Ibérica se mantiveram nos séculos, mercê da sobrevivência de uma espécie animal – o Touro, tão associado , desde a Antiguidade, a esses cultos pagãos greco-latinos. Resumidamente, será essa a origem de uma manifestação cultural que se mantém viva, e é parte integrante da nossa Cultura, da nossa religiosidade até... Uma arte em que o Homem ilude a Morte pela arte do movimento. Negar esta evidência seria pura ignorância. Porque nada disto tem que ver com as questões de gosto pessoal, e da liberdade de cada cidadão.
T - Qual a sua opinião sobre o actual Decreto-Lei e Decreto-Regulamentar (os quais são de 1992), que regulam os espectáculos tauromáquicos?
ES - Como referi atrás, está (ficou) pronto para aprovação em Conselho de Ministros, um novo Decreto regulamentar, que substituirá o anterior (1992), já anacrónico em muitos aspectos, pouco consentâneo com a realidade actual, e muito permissivo face ao rigor e exigência artística que por vezes faltam na Festa. Este novo Decreto resulta de um amplo consenso, entre todos os intervenientes na Festa, no âmbito do Conselho Nacional de Cultura, o qual, obviamente, não foi fácil conseguir, e por isso mesmo há que aproveitar agora o trabalho feito. Modernizar a Festa, dá-lhe mais ritmo e rigor artístico, protegerá mais os artistas (por exemplo os forcados, na nova quebra dos ferros...), actualiza as condições de saúde, higiene e salubridade das praças. Enfim, esperemos pela sua aprovação futura, que, estou em crer (sou optimista por natureza!), acontecerá.
T - Na verdade, há muito que está em estudo um novo Projecto de Regulamento tauromáquico e que no último ano foi alvo de uma nova revisão, porém ainda não passa de um projecto. No seu entender qual a razão de este ainda não ter passado a Lei?
ES - Tal como referi atrás, o novo Decreto-Lei está concluído. Resta a sua aprovação pelo Governo.
T - A criação de uma secção especializada de Tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura (órgão colegial de natureza consultiva e de apoio ao Ministério da Cultura) revelou-se um momento histórico e há muito esperado pelos aficionados e agentes da Festa de Toiros. Como foi o diálogo entre todos os agentes ligados ao sector taurino?
ES - Foi uma decisão “histórica”, sim, mas desejo muito a sua continuidade. É riquíssima a experiência adquirida, porque se juntaram todos os interesses envolvidos na Festa, em são e profícuo trabalho. Nem sempre convergem as opiniões, mas a causa comum arbitrou sempre da forma mais justa. Tenho a certeza absoluta de que ninguém, dos que lá estiveram, negará o interesse em manter esta Secção do Conselho Nacional de Cultura.
T - A Tauromaquia tem sido atacada por grupos organizados anti-taurinos que recorrem frequentemente ao chamado “terrorismo de intimidação”. Acha que esta é a forma mais ordeira de fazer vingar a democracia?
ES - Ordeira será, embora ruidosa, aliás, mais ruidosa do que é, na realidade, o número dos fazedores de ruído. Cumpre sim relevar aqui a tolerância, e o sentido cívico dos aficionados, cuja atitude tolerante contradiz, na prática, as acusações insultuosas de que são alvo tantas vezes... Já nos habituámos a esse folclore.
T – Sabemos também que os anti-taurinos querem, entre outros, acabar com os espectáculos tauromáquicos e é recorrente afirmarem que desta forma Portugal viverá uma evolução civilizacional. O que pensa deste tipo de pensamento?
ES - Oponho-me totalmente a essa lógica maniqueísta! E quem me conhece, sabe que não sou, de todo, um conservador. Aliás, todas a convenções internacionais, e documentos de referência na Cultura, como a “Convenção de Faro/2005” (subscrita pelos Ministros da Cultura da EU), defendem a Diversidade Cultural como riqueza, por oposição aos efeitos negativos da globalização. A Cultura, na sua diversidade, e nas suas especificidades, constitui uma mais valia para o futuro sustentável da Humanidade, é um factor estratégico de riqueza. O argumento da dita “evolução civilizacional”, é uma falácia demagógica, obscura. Aliás, nunca é demais sublinhar, que é no meio taurino que vejo os animais serem tratados e amados como em nenhum outro lugar.
T - No decurso das suas funções como Secretário de Estado da Cultura percorreu por certo vários distritos de Portugal. Na grande maioria deles a Festa de toiros está enraizada. Como sentiu a população portuguesa em relação à tauromaquia?
ES - É curioso, porque há bem pouco tempo fiz essas contas: Desde 1996, em que ocupei funções de dirigente em áreas Patrimoniais (na Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, no IPPAR, IGESPAR), e, depois, um ano e meio enquanto SEC, percorri 273 concelhos da nossa terra... Posso dizer que conheço bem o País. Há uma sondagem recente, da empresa Eurosondagem, que é claríssima no que toca à relação dos portugueses com a Festa Brava. Podemos concluir que 70% dos Portugueses entendem, gostam, toleram, a Festa, independentemente de irem, ou não, às corridas de toiros (cerca de 700.000 espectadores por ano). E só 10% são abolicionistas. Os números falam por si.
T – É aficionado e nunca o escondeu. Esteve do “lado dos políticos”. Porque razão é que a classe política - mesmo sabendo-se que muitos gostam do espectáculo taurino - tem tanto receio, ou falta de coragem, em dar a cara pela tauromaquia?
ES - Peço perdão, mas não concordo com a vossa premissa – estar “do lado dos políticos”. Todos somos políticos! Todos somos livres e temos opinião. Pessoalmente, estou na política desde os 15 anos, em 1972, quando fui corrido do Liceu, e não me aceitaram, depois, a matrícula em nenhum Liceu de Lisboa .... Mas sempre pensei pela minha cabeça, com toda a Liberdade. Fui educado assim. E sempre coloquei a minha carreira profissional, com 30 anos de Serviço Público exclusivo, acima de qualquer interesse partidário. Quem me conhece sabe-o bem. Considero até vergonhoso que muitos políticos, conhecidos até como sendo “aficionados”, se escondam em Espanha para verem corridas às “escondidas”. O nosso saudoso escritor Álvaro Guerra, resistente anti-fascista, e grande aficionado morreria de vergonha se soubesse...Júlio Pomar, Siza Vieira... Nunca lidei bem com a hipocrisia, porque tenho convicções firmes, e, em matéria de Património Cultural, tenho 30 anos de conhecimento acumulado. Tenho a certeza de que daqui a uns anos este “politicamente correcto” anti-taurino vai esvair-se nas nuvens do tempo. As identidades e a cultura vão emergir face à globalização.
T – Como actor privilegiado que foi do lado do sector político e agora que deixou as funções governamentais, que conselhos daria aos agentes da Festa na defesa, dinamização e dignificação do espectáculo taurino em Portugal?
ES - Pesem embora as naturais divergências internas, e os pequenos conflitos no mundo taurino, é necessária uma grande unidade em torno dos valores da Festa. O manifesto de Moita Flores é um excelente exemplo a seguir. Depois, para além da área governativa da Cultura, é necessário que o Turismo, a Economia, e também o Ambiente e a Agricultura, se envolvam no desenvolvimento deste processo. Pela positiva e sem complexos. Portugal tem um enorme tesouro, um recurso de uma riqueza inesgotável, porventura o mais importante para o seu futuro: O Património Cultural, em todas as suas vertentes.
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