segunda-feira, 18 de julho de 2011

A Corrida da Nazaré pelos olhos de um 'não-crítico'

b_150_100_16777215_0___images_manelito.png

Manuel Cunha Calado, mais conhecido por Manelito Caracol, autor do blogue com o mesmo nome, foi à corrida do passado dia 16 de Julho na Nazaré e escreveu especialmente para o Naturales a sua visão da corrida.

Numa altura em que críticos críticam críticos, o Naturales apresenta o primeiro NÃO-CRÍTICO!!! Imperdível...uma 'crónica' sem dúvida diferente, mas muito genuína...

Do alto da bancada, na última das filas, uma senhora embrulhada num xaile comentava com uma outra que a ladeava.
Olha-me aqueles, ali à chuva. Devem ter o rabo gelado.
Eu, que apenas a ouvi, não pude deixar de esboçar um sorriso quando me lembrei que “aqueles ali à chuva” tinham pago sessenta euros por um bilhete na barreira, enquanto as ditas senhoras se mantiveram quentes e secas com uns míseros dez tostões. Eu ainda vi jeitos delas se levantarem, acenarem com os bilhetes de dez euros e começarem ali aos gritos, chamando os ensopados espectadores da barreira…
Bem, verdade seja dita que a chuva também não era assim uma chuva tão intensa. Era uma chuvinha, vá. Miudinha. Coisinha pouca. Daquela a que a minha avó chama de chuva-molha-parvos. E eu, Deus me livre contradizer a minha avó.
Começava assim a corrida de abertura da temporada na Nazaré. Casa a três quartos, ou se calhar só a metade. Ou se calhar, talvez, só um terço. Ou então menos ainda. Já nada sei. Maldito nevoeiro, que me impede de ser rigoroso.
Anunciado durante semanas, coube à família Ribeiro Telles fazer as honras de estreia, daquela que seria também a primeira corrida da empresa do Campo Pequeno na castiça (gelada, chuvosa e desagradável) praça do Sítio da Nazaré.
Eu costumo olhar para a família Ribeiro Telles com a mesma desconfiança com que olho para a família Malhoa. Sempre me pareceu estranha essa passagem genética de dons e atributos artísticos. Ou se calhar até nem há dons nem atributos nenhuns (excluindo a Ana Malhoa cujos atributos já todos nós vimos esparramados em revistas picantes). Cá para mim há apenas um sobrenome. Malhoa. Ribeiro Telles. E assim está meio caminho andado.
António Ribeiro Telles apanhou o 43 (Santa Maria - Nazaré) com um peso equivalente a dois concorrentes do Peso Pesado (580 kg). Como de lides percebo pouco ou nada, deixem-me ir ali copiar um parágrafo de uma crónica de uma outra corrida, escrita por um entendido. Copy. Paste: um toiro bonito e com muito bom tipo, mas que foi manso e com muitas querenças em tábuas. Os ferros compridos foram cravados de forma regular; nos curtos o entendimento entre e toiro e cavaleiro foi quase nulo. (copiado). Serve como uma luva.
Bem sei que se trata de uma afronta, copiar excertos de crónicas de outras corridas e fazê-las passar por esta, mas eu não engano ninguém. Se quiserem culpar alguém, culpem o toiro. Aliás, para ser mais sincero ainda, os entendidos passam a vida a escrever a mesma coisa. Para quê então perder tempo a adjectivar? O António é um mestre, já toda a gente sabe.
Melhor sorte teve no seu segundo. Pelo menos a julgar para reacção do público que a determinado momento se levantou em aplausos e em pedidos de mais ferros. Mais um! Mais um! E venha de lá esse encore com um palmo de tamanho.
Manuel Telles Bastos pôde comprovar aquilo que todos sabem mas que ninguém admite. Existem toiros de morte em Portugal, e não só em Barrancos. Então se não está morto, o que está a fazer aquele toiro parado, ali no meio da praça? Bom seria se algum entendido da festa inventasse um sistema de entrada e reentrada do toiro em praça, uma vez que a bravura dos mesmos se esfuma em poucos minutos. Quando sai dos curros parece que vai matar cinquenta. Passados três minutos, está pronto para se estender, aninhado em algum bandarilheiro, com uma mantinha pelas patas, a olhar para o maluco em cima do cavalo. Ele goza. Basta olhar para a cara do toiro para se perceber que ele faz aquilo de propósito.
Inventem então um sistema em que o toiro recolhe aos curros de três em três minutos. Isso é que era de valor. Sai. Entra. Entra. Sai. Entra. Sai. Sempre pronto para matar cinquenta. E para ser ainda mais emocionante, até poderiam fazer várias saídas, só para acrescentar aquele factor surpresa determinante. De onde é que esse-filho-de-uma-égua vai sair agora?
Com o meu Ipad completamente embaciado pela cacimba que caía, tornou-se quase impossível tomar notas. A barreira estava deserta e as senhoras da fila oito mais quentinhas do que nunca, ladeadas, finalmente, pelos senhores dos bilhetes caros. O director de corrida era abrigado por um chapéu-de-chuva empunhado pelo veterinário e atrás deles, completamente encharcado, sem qualquer tipo de clemência, o mestre do trompete continuava imóvel, tentando abrigar o instrumento por debaixo das luvas brancas. Hoje aquele trompete não deve ser mais do uma peça de metal enferrujado. Devia ter seguido o exemplo dos retratistas, e ter envolvido o aparelho em sacos de plástico transparente num requinte técnico que só visto. Para completar a cena, triste por si só, até o vendedor da cervejinha fresquinha deixou cair o estaminé, espalhando os produtos num raio de cinco quilómetros. A festa estava ao rubro.
Só João Ribeiro Telles Jr. conseguiu animar o público. Animar é o verbo e fica-se por esse verbo. Não sei como ele conseguiu, não sei como ele deu a volta, mas se houve alguém que levantou bancadas, foi ele. Os toiros eram do mesmo trapio. Fraquinhos, fraquinhos, mansinhos, mansinhos, mas ele conseguiu inventar o inventável (eu também inventei a palavra inventável, pois claro). O que é que se faz quando a coisa não nos está a correr bem? Disfarçamos e fazemos de conta que temos ali toiro para a guerra.
A empolgação foi tão grande que, num ataque declarado de guerrilha, no momento em que segurava num ferro, quase que tirou um olho a um seu bandarilheiro que se encontrava junto às tábuas. E logo agora que até já se usam os ferros de segurança, seria uma tragédia. Uma tragédia digna de capa daquelas publicações sensacionalistas da festa brava. Ó pra eles mortinhos por publicar.
O Jovem cavaleiro deu ao público aquilo que o público quer ver. Violinos, ferros de palmo, pares de bandarilhas, em pouco mais de trinta segundos. Se a coisa foi bem metida, se o fez com intenção e mestria, isso já não sei. Eu estava demasiado ocupado a limpar o Ipad com a manga do casaco.
Durante o intervalo teve lugar nos corredores da praça, uma homenagem ao grande Mestre David Ribeiro Telles, que apesar de baixinho, se apresenta e apresentará sempre como grande Figura do mundo do toureio.
Com a chuva-molha-parvos a não dar tréguas, poucas pessoas se moveram do seu lugar. Aliás, muitas nem sequer se aperceberam de que a homenagem estava a acorrer no interior da praça. Prova disso foi quando regressei ao meu lugar e a senhora do xaile me perguntou o que se tinha passado. Disse-lhe que haviam homenageado David Ribeiro Telles naquela praça, oferecendo-lhe uma placa.
A senhora franziu o sobrolho e acrescentou: “Uma placa?! Placa, placa?! (apontando para os dentes). Não! - Digo-lhe eu. É uma lápide!
Uma lápide? Já?! Então mas o homem ainda nem… – E assim continuou. (E o meu bom senso não me permite que aqui transcreva as palavras seguintes da senhora).
Nas pegas assistiu-se a uma noite sem grandes dificuldades.
João Gois, do Grupo de Forcados Amadores de Santarém, sem espinhas, fechou-se e pegou à primeira. Não foi uma pega bonita, mas culpem o toiro por isso. Quem não imaginava a dificuldade que teria, foi o António Imaginário (piada de fino trato, baseada num trocadilho barato, adquirido através do visionamento exaustivo do Fernando Mendes no preço certo). À primeira o toiro não o viu. À Segunda foi ele que não viu o toiro. Consegue à terceira tentativa. O último membro do grupo de Santarém, João-qualquer-coisa-terminada-em-eiro (culpem o microfone pelo lapso), desempenhou aquela que foi, talvez, a pega mais rápida de todos os tempos. Bastaram quatro segundos para que o manso avançasse e o outro o abraçasse.
Quanto ao grupo de Coruche, abriu a noite Pedro Galamba, que teve uma forma curiosa de se posicionar no momento da reunião, ficando uma perna por cima da cara do toiro, muito à rodeo de Texas-ville. No entanto, com a ajuda, conseguiu concretizar à primeira. Seguiu-se Alberto Timóteo, que, embora o tenha conseguido apenas na segunda tentativa, fez com que o público manifestasse o seu agrado, o que é um risco tremendo, não vão eles acordar o toiro. Finalmente, Luís-qualquer-coisa-terminada-em-alo (voltem a culpar o microfone pelo lapso), conseguiu pegar à primeira com menos dificuldade do que arranjar lugar para estacionar o carro no Sítio, em dia de corrida.
A festa foi cinzenta, sim. Fria, sim. Sem gracinha praticamente nenhuma, sim. Pobrezinha que deu dó, sim. Mas as senhoras dos bilhetes de dez euros não se queixaram. O veterinário e o director de corrida, debaixo do chapéu-de-chuva, também não. Já o mestre do trompete, bem, esse é que não deve estar para brincadeiras…
E pronto. Assim se passou. Foi a minha primeira vez no mundo da escrita sobre a festa brava. Todos nós sabemos que não há vez como a primeira e estou certo de que em breve serei uma Figura no mundo da escrita tauromáquica.
Uma figurinha triste, mas uma Figura.

Manelito Caracol

Sem comentários:

Enviar um comentário