sábado, 19 de fevereiro de 2011

"É em momentos de crise que mais necessidade temos de "arejar" e nada melhor que umas emoções fortes numa boa corrida de toiros" - Entrevista a Carlos

No seguimento das entrevistas que temos vindo a publicar com alguns dos principais empresários tauromáquicos portugueses, fomos desta vez a Évora falar com o empresário Carlos Pegado a quem pedimos que nos falasse da temporada passada e das perspectivas para a temporada 2011.

Tauromania (T) – Carlos, qual o balanço que fazes da temporada 2010 nas corridas que organizaste quer em Évora quer fora de Évora?

Carlos Pegado (CP) - Podemos e devemos sempre analisar o nosso trabalho de vários pontos de vista. Por norma o mais importante para mim é a experiência que vamos adquirindo, sempre numa perspectiva positiva e de aperfeiçoamento do nosso trabalho.
Em Évora foi um ano menos bom em termos financeiros, penso que por força dos tempos que correm e que nos coube viver, o que vai ter forçosamente reflexos no futuro das nossas organizações. O público não compareceu como esperávamos e, na maior parte dos casos, foi pena pois perderam espectáculos de excelente nível.
Em termos artísticos julgo ter sido mais uma boa temporada em que assistimos a uma das melhores corridas dos últimos tempos, a de Palha; também a corrida desse dia especial e único que é a Festa do Forcado teve excelente nível, quer quanto ao curro de Pégoras, quer quantos às actuações dos toureiros; no S. Pedro comemoraram-se os 60 anos da estreia da Ganadaria Murteira Grave, o que constituiu motivo de orgulho para todos os envolvidos; o Concurso de Ganadarias manteve o seu prestígio e foi mais uma grande tarde de toiros com muita emoção e a realização do Troféu João Branco Núncio também teve momentos altos. Assistimos também a grandes pegas e o carisma e o prestígio da figura do Forcado foi mais uma vez elevado nesta praça.
Nas outras praças, Alter (em parceria com o meu amigo Jorge de Carvalho), S. Manços e Elvas todos os espectáculos tiveram resultados positivos, com excepção de uma corrida em S. Manços onde as coisas não resultaram bem ao nível dos toiros.
Queria realçar também a organização da Corrida do CDS, nas Caldas da Rainha, em parceria com o meu colega e amigo Paulo Pessoa de Carvalho, que foi para além de um magnífico espectáculo, de praça cheia, um importante passo na relação da tauromaquia com a classe política e que resultou num êxito a todos os níveis.

T – Depois da euforia da re-inauguração a Praça de Évora tem vindo a ter menos público. Há quem defenda, como eu, que é uma praça pequena demais, outros dizem que o motivo são os preços, outros ainda que o motivo é a quantidade exagerada de espectáculos. Qual é a opinião de quem tem a seu cargo a gestão da praça?

CP - De facto a praça é pequena, tem apenas 3.000 lugares e o resultado é que, fruto da qualidade, quer em termos das ganadarias, quer em termos das figuras que queremos apresentar, não conseguimos ter uma tabela de preços de bilhetes que seja mais adequada aos tempos difíceis que vivemos.
Quanto ao número de espectáculos nós não pensamos que seja exagerado. Talvez a minha aficion é que seja exagerada e acredito muito que é sempre possível fazer mais.
Depois de reflectir bem sobre todos esses aspectos, julgo que, nesta fase menos boa que o nosso país atravessa, deverá haver alguma contenção. Logo iremos diminuir o número de espectáculos e tentar o mais possível uma redução de custos na organização dos espectáculo, por forma a conseguir uma redução no preço dos bilhetes. Outro aspecto que tem dificultado essa operação é o facto das empresas terem vindo a baixar o seu investimento em publicidade, nos eventos taurinos.
Julgo que em termos de estratégia global as empresas taurinas deveriam associar-se a sério e com o máximo profissionalismo no sentido de alcançar outros objectivos na obtenção de receitas.
Todos reparamos que nenhum espectáculo vive exclusivamente das receitas de bilheteira. Nem o futebol. Penso que deveremos concentrar os nossos esforços na tentativa de recuperar e conquistar o mercado da publicidade e das televisões, onde pode haver importantes fontes de receita.
Mas, na minha opinião, só se conseguirá atingir este objectivo baseado numa estratégia conjunta das empresas taurinas e não em actos individuais, que têm obrigatóriamente resultados negativos a curto/médio prazo.
Por todas as razões que conhecemos é urgente que todos estejamos a "remar" para o mesmo lado. Não basta dar uma imagem de boas intenções num dia e no dia seguinte virar as costas.

T – Já te vimos ser empresário de mais praças e obter em várias delas bons resultados, sobretudo recuperando praças que passavam períodos maus como Coruche, Alcacér e até Évora. Porque é que hoje em dia tens menos Praças? Achas que as entidades proprietárias dessas praças valorizaram devidamente o teu trabalho?

CP - Julgo que sim, que o trabalho foi valorizado. Pelo menos sempre me deram esse feed-back, mas por vezes o interesse financeiro falou mais alto. São opções.
O facto de gerir menos praças tem a ver com valor das suas rendas. O nosso objectivo prioritário é rentabilizar uma empresa e não é rentável quando as rendas atingem determinados valores.
Aliás, na minha opinião, e aproveito para deixar esta ideia, os proprietários das praças deveriam repartir uma percentagem da nova renda, quando terminasse o contrato com os concessionários. No fundo funcionaria como um trespasse. Na prática resultaria que o empresário veria sempre o seu esforço de alguma forma recompensado, ao mesmo tempo que sentiria uma maior motivação para valorizar o seu trabalho.
Dou um exemplo muito concreto e que é público: Quando a minha empresa ganhou o concurso da Praça de Toiros de Coruche a renda que pagou por três anos foi de 45.000 €. No final desta gestão a praça foi entregue a outra empresa que pagou pelos mesmos três anos a quantia de 100.000 €. Mais do dobro!!!
E a questão que fica é - quem valorizou a praça? quem investiu muito tempo e dinheiro?
O empresário que sai sente-se injustiçado e ultrapassado num negócio, pois foi ele que investiu e no final... outros ficam a ganhar. Todos sabemos que o melhor negócio é aquele em todas as partes ganham. Penso que no final todos ganhariam com este sistema. Fica a ideia para reflexão.

T – Fala-nos um pouco da tua vertente de apoderado, no caso concreto da relação de apoderamento com o Vitor Ribeiro. Como foi a temporada? Continuarás a apoderá-lo? Porque anda Vitor Ribeiro numa fase menos alta da sua carreira? E porque não apostam mais nele as demais empresas?

CP - Vou continuar a apoderar o Vitor Ribeiro, o que para mim é um grande motivo de orgulho, pois sou seu admirador há muitos anos. É um grande toureiro, um excelente profissional e o futuro irá confirmar isso mesmo.
A temporada que agora findou foi para ele uma temporada de reencontro consigo mesmo e embora não tenha toureado o número de corridas que são o nosso objectivo, entre as 35 e as 40, teve actuações de grande nível e manteve uma regularidade impressionante na qualidade do seu toureio.
Julgo que as empresas reconheceram a boa temporada que o Vitor Ribeiro fez e no ano de 2011 irá fazer uma campanha adequada ao seu real valor.

T – Numa entrevista recente Rui Bento Vasques afirmou que isto está cheio de para-quedistas e que faltava profissionalismo. Sendo tu um profissional, o que te parece esta opinião?

CP - Estou 100% de acordo. Há uma enorme falta de profissionalismo e até de formação.
Nós temos contacto com pessoas que por qualquer motivo decidiram dedicar algum tempo a esta actividade e depois não reúnem, de modo algum, as condições mínimas para a exercer.
É um factor bastante prejudicial à imagem da "festa" e à sua qualidade.

T – Tenho perguntado aos vários empresários se acham que os Agentes da Festa fazem o suficiente na Defesa da Festa. Qual é a tua opinião?

CP - Sinceramente acho que o que é feito é muito abaixo do suficiente. A maior parte dos Agentes da Festa ainda nem despertaram para o problema existente.
O facto de haver pouco profissionalismo reflecte-se na falta de organização, que é urgente que surja.
Algumas ações isoladas que alguns de nós teimam em ir fazendo, e que nem sequer é devidamente valorizada pela maior parte das pessoas, embora sejam de toda a importância, perdem o impacto pois falta o suporte de uma organização sólida e com uma estratégia bem definida.
O problema fulcral é que a criação de uma estrutura com os objectivos claros de Defesa da Festa, inevitávelmente terá que ser financiada. E essa fonte de receita só poderá ser uma - os profissionais. E por enquanto este não é um assunto consensual. Mas terá que vir a ser, pois a realidade é que a "festa" está a sofrer ataques fortíssimos e permanentes.
Julgo que neste momento ou a consciência deste problema passa a ser para todos, sem excepção, uma prioridade ou cada dia que passa estamos mais afastados desses objectivos.

T – Para que vê de fora parece que a grande dificuldade para os empresários é que nós não temos toureiros ídolos. Moura Pai está gasto, António Telles, Salvador e Salgueiro ficam sempre bem mas não são novidade... Achas que estes toureiros mais jovens poderão alcançar esse estatuto de ídolos ou a forma acomodada como muitos parecem andar juntamente com a forma cautelosa com que são geridos não parece ser bom presságio?

CP - Sinto, como muitos dos aficionados, que muitos destes novos toureiros têm condições para o ser e alguns poderão ser figuras. O que falta na minha opinião é aparecer um génio, um miúdo com ganas para querer "comer" isto tudo. Que rompa, as regras, que toureie todos os toiros, que crie paixão nos aficionados. É isso que faz falta, e depois há lugar para todos. Penso que o toureio, hoje em dia está um pouco "light". Ou seja, o que se ganhou em dominio, em beleza estética, falta um pouco em destreza, risco, emoção.

T – Perspectivas e Expectativas para 2011?

CP - Eu, por norma, sou um optimista. Mas obviamente que estou apreensivo e muito preocupado com a conjuntura actual. Há que trabalhar com muita dedicação e ponderação. Redefinir estratégias e adequar as nossas organizações à realidade e à circunstância actual.
Mas a festa não morre e muitas vezes é em momentos de crise que mais necessidade temos de "arejar" e nada melhor que umas emoções fortes numa boa corrida de toiros, acompanhados da família ou dos amigos.

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