domingo, 29 de maio de 2011

Crónica Concurso de Ganadarias

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Eu não sei que falta em Évora...

Já não é a primeira vez que começo uma crónica, como hoje vou começar esta. Mas a verdade é que fazer crónicas de corridas televisionadas é muito comprometedor. A grande maioria dos aficionados viu a corrida pela televisão e, apesar de muitas vezes, a caixinha mágica só mostrar o que lhes interessa, cada um pode tirar as ilações que quiser, obviamente condicionado pelas imagens e comentários. Mas para os que não tenham podido assistir à corrida via televisão e façam fé daquilo que escrevo, atrevo-me a mais um artigo de opinião sobre o que foi o 52º Concurso de Ganadarias.

O facto de ser hoje aficionada, mais não é que resultado de uma vivência num ambiente onde Corridas de Toiros, eram algo tão natural e habitual, como comer é necessário para sobreviver. Diria até que, cresci a viver tão intensamente a Tauromaquia, que creio não poder mesmo viver sem o toureio.

Desde que me recordo como aficionada, que há uma série de datas tradicionais que marcam a minha ‘formação’, duas delas passavam-se em Évora: o Concurso de Ganadarias e a Corrida de S. Pedro. Eram corridas que raramente não enchiam por completo, com os preços de bilheteira mais caros aqui da região, cartéis quase únicos e tudo isto, numa praça que nos últimos anos era…desconfortável.

Foi recuperada a praça em 2007. Totalmente remodelada, adaptada aos tempos modernos. São esses mesmos tempos, que por variados factores, lhe têm vindo a roubar história e vida, a essa que hoje carrega o nome de Arena d’Évora, e que parece talhada ao título de Catedral do Forcado.

Verdade seja dita que o que se passa na Arena d’Évora, passa-se também noutras praças. Pouca afluência de público, reflexo de uma crise económica. Mas sinceramente, não pode ser só isso. Perdeu-se afición em Évora? Não creio. Pelo contrário, em Évora desacreditou-se do mau toureio. Não se come gato por lebre, nem admitem areia nos olhos com os triunfos de ‘loja dos trezentos’, que se vão vendo neste nosso Portugalzinho das ‘toiradas’, e que em tantas outras praças são tidos como tardes e noites de glória.

Pena é, que em Évora o desagrado pelo toureio de pouca qualidade se manifeste pela ausência de público, e não em praça, protestando in loco contra o que haja de pouco interesse. A Arena d’Évora merecia assim um voto de confiança por parte dos aficionados.

Ser o 52º Concurso de Ganadarias já era por si um marco histórico. É o concurso mais antigo e dos que sempre foi tido como de maior prestigio. Mas a partir do momento em que as corridas de toiros, passam a ser vistas como algo comercial e não como algo que se ama e que eu considero um espectáculo de ‘arte’, o prestígio desce de patamar. E digo isto, desta vez não para criticar toureio…mas sim, o toiro. O Toiro de Lide, principal figura da Festa. A matéria-prima que tanto tem sido lapidada e moldada ao longo dos anos, ganhando em ‘manipulação’, o que perdeu em pureza. É que na grande maioria, os toiros hoje em dia não são ‘produzidos’ para serem lidados, mas sim para serem vendidos.

No 52º Concurso de Ganadarias, onde se avalia Bravura e Apresentação, estavam representados toiros de seis das ganadarias que mais se têm distinguido no nosso país. E sabendo de antemão que bravura não se adivinha, pelo menos em apresentação, para um concurso deste nível, podia ter havido mais brio. Desde bizcos, avacados, sobreros de outras corridas…um pouco de tudo havia. Mas se pensarmos em tanto do que se vê noutras praças…

Há quem possa achar que esteja a ser dura e exigente, mas porque não hei-de exigir qualidade na Tauromaquia em Portugal? Mas vamos resumidamente aos factos.

O toiro de Palha, com 610 kg, tinha em peso o que não tinha em cara. Mas cumpria na apresentação e isso valeu-lhe o troféu. Tocou em sorte a João Moura que o recebeu com boa brega e lhe administrou uma lide ao seu estilo, que resultou bem conseguida, aproveitando-se de um toiro, que ainda que pouco codicioso, foi colaborador. No entanto a actuação ecoou fria nas bancadas.

O toiro de Fernandes de Castro, com 555 kg, foi esperado por Vítor Ribeiro à porta gaiola. De cara alta, avacado, demonstrou-se inicialmente desinteressado, mas foi crescendo conforme o cavaleiro se foi arrimando, com quiebros acentuados na cara do toiro. Houve disposição por parte do cavaleiro que fez soar as primeiras ovações fortes da noite.

O Murteira Grave, com 550 kg, tinha sentido, e o ‘bailarico’ que por vezes se vê tanto na trincheira como nas bancadas, aguçava ainda mais essa característica. Notou-se que humilhava bem no capote do peão de brega, mas foi mais reservado ao cavalo. Marcos Tenório optou por uma actuação mais de adorno, estando já ao terceiro curto a tentar cravar um ferro violino, que no entanto resultou sem sucesso. Destaco o segundo curto, de frente e com poder. Culmina com o par de bandarilhas, herança por parte do pai, que o público já se vai habituando a exigir-lhe.

O toiro de Passanha, com 606 kg, córnea aberta, foi nobre e não trazia consigo grandes complicações para ser lidado. Moura é que, talvez certo de mais confiança nesta rês, acabou por complicar. A começar pelo primeiro curto, cravado (espetado) tal qual uma seta, e a resultar na…barriga do toiro. Bem o terceiro ferro curto, de alto a baixo. E depois de adornar com dois palmitos, insiste, já ‘avisado’, em ladeios que já não acrescentavam nada à lide... e o público protestou.

O toiro de Pégoras, bonito,estava no tipo da ganadaria, castanho, com 560 kg, e foi logo recebido com ferro à porta gaiola por Vítor Ribeiro. Adiantava-se ligeiramente à montada, mas o cavaleiro voltou a ter uma actuação de arrimo, aguentando as investidas e indo acima do toiro para cravar. Ainda que nem sempre a ferragem resultasse regular.

O Canas Vigouroux foi talvez o animal mais completo. Nem tão bem apresentado, nem tão bravo, mas o que reunia mais equilibrado as duas características. Pesou 500 kg e foi um toiro que podia ter mais para sacar. Pena o ter descaído duas vezes para tábuas. Marcos começou por apostar num toureio mais frontal e mais pensado e deixou bem três ferros curtos. Borrou a pintura quando no ‘toureio de adorno’, com um palmito de violino, que só conseguiu deixar à terceira tentativa. Voltou a encerrar função com um par de bandarilhas. Este toiro foi premiado com o Prémio Bravura.

No que tocou às pegas, pelo Grupo de Évora abriu funções o cabo, Bernardo Patinhas que pegou à primeira sem problemas; António Alfacinha à segunda com as ajudas muito carregadas depois de um forte derrote no primeiro intento; e Manuel Rovisco à terceira, também já com muita ajuda. Pelo grupo dos Amadores de Alcochete foram à cara dos toiros, Fernando Quintela que consumou à primeira; João Pedro de Sousa também ao primeiro intento, consumando a melhor pega da noite, e que lhe valeu o troféu por isso mesmo, onde a coesão do grupo e a preciosa função do primeiro ajuda foram indispensáveis; e o cabo Vasco Pinto à segunda, depois de um primeiro intento em que quase ficou debaixo do toiro e ainda se temeu o pior, quando o forcado se levanta e trazia uma bandarilha cravada na jaqueta (tanto se fala em ‘proteger’ a figura do Forcado, mas depois, pouco ou nada se faz).

Faço ainda dois reparos que aos telespectadores passaram ao lado. Um negativo, e ainda hoje me pergunto, porque só entrou público na praça, dez minutos antes da corrida ter início? E outro positivo, antes e durante o intervalo, demonstração de toureio de salão por parte dos alunos da escola José Falcão. Finalmente toureio a pé em Évora…como nos bons velhos tempos e dos quais não tenho mesmo memória, nem vida, mas que reza a História, a existência de toureio a pé na praça de Évora.

Dirigiu sem problemas o sr. Agostinho Borges, assessorado pelo veterinário Matias Guilherme, numa corrida que apesar de ter resultado agradável, ficou marcada pela ausência de público, e onde faltou um pouco mais dos toiros já que era não ‘um’, mas ‘o’ concurso de ganadarias de maior prestígio. Onde faltou também, como na grande maioria dos espectáculos, que os toureiros entendessem que é o toiro o objecto principal de uma corrida e que é dele que se deve tirar partido, e sacar ao de cima as suas qualidades, ao invés de tentarem procurar exibir-se noutras perfomances.

Sinceramente, não sei o que se passa em Évora…mas tenho pena.

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